sexta-feira, 18 de junho de 2010

A entrega

Ishvara Pranidhana é entregar-se a Deus. É render-se... Este Deus que pode ter a forma que você quiser: pode ser santo, um guru, um iluminado, pode ser do reino animal, do mineral, pode ter a forma das ondas do mar, pode ser um rio, pode ser o pôr-do-sol, Buda ou Cristo, mas é alguém ou algo aos pés de quem você se prostra. Seja deitado, de joelhos, abaixando a cabeça ou com o sinal da cruz. Você se curva.


Entregar-se é muito mais do que respeitar. É dedicar cada minuto de sua existência a essa força suprema. É fazer com que cada ato seja sagrado. Deixar de re-agir e passar a agir com discernimento, porque essa capacidade de escolher entre o certo e o errado é a única diferença que temos dos animais. Como seres humanos e encarnados, podemos ritualizar cada ato que fazemos, dando às nossas ações o caráter de escolhas e não de reações.



Assim, eu escolho agir de acordo com as leis do dharma e fazer de cada ato uma puja, ou seja, uma oferenda. Eu existo para servir a algo que é muito maior que o meu ego que faz. Trabalho para melhorar a vida das pessoas ao meu redor, e procuro não ferir nem magoar ninguém com palavras ou atitudes. Isso é Ishvara pranidhana.

E a forma de sacralizar esta devoção é através do puja, onde eu ofereço o meu coração em forma de símbolos que representam todos os aspectos do amor.

Na puja, que pode ser feita de todas as maneiras possíveis, recitamos mantras, oferecemos flores, fogo, água, alimento, como uma forma de nos re-ligarmos ao divino, para nos alimentarmos dele e com ele, como faz uma criança no ventre da mãe.

A puja dos hinduístas é uma dança maravilhosa de mãos e intenções que servem e oferecem e uma festa de cheiros, sons e sabores, onde o convidado é a divindade que é recebida com todas as honras.

Mas o que vale mesmo é a intenção pura. Uma simples flor, uma vela e uma oração, ou simplesmente a intenção verdadeira de unir-se a deus faz com que ele vá até a sua casa. Puja é como receber Deus em casa.

E quando vai chegar alguém que você ama muito, você faz faxina, compra flores, lava a louça, troca a roupa de cama, arruma os móveis, faz uma comida, toma banho e põe uma roupa bonita. Essa deveria ser a nossa atitude diária perante a dádiva da vida.

Na Bhagavad Gita, Krishna diz: ' Aquilo que tiver que ser, será'. Isto significa que não adianta resistir àquilo que nos acontece diferente do que gostaríamos. Aconteceu porque sim. Ao invés de procurar razões, dizer sim à vida! Sim, sim, sim.

Receber de braços abertos como a montanha recebe a chuva, o vento, as devastações e não deixa de ser montanha. Permanece firme, cumprindo a sua missão de montanha. Nietzche diz: 'Aquilo que não me mata imediatamente, me fortalece.'

Receber a dor como ensinamento, como presente, oportunidade de crescimento e não lutar contra ela. Encarando a dor, eu a recebo e me fortaleço! Quando perdemos alguém que amamos, devemos aceitar, mesmo sentindo uma dor que parece que não passará nunca...

Aceitar com amor! Porque sagrada foi a vida e sagrada é a partida. Quem garante que lá, onde ficam os espíritos, não é muito mais bonito do que aqui? O que ficou por dizer, o que não fizemos foi oque poderíamos ter feito naquele momento. Um dia, nos reencontaremos com quem partiu sem se despedir.

Somos seres espirituais vivendo brevemente como humanos! Voltar a a ser espírito deve ser como voltar para casa.

Ishvara Pranidhana é também oferecer os frutos das ações a esta força maior. Ou seja, tanto a intenção, a causa, quanto os frutos que virão são oferecidos. Nada fica para nós. O ego, aquele que age, nada colhe. Ele age porque é seu dharma agir, mas desapega-se dos frutos.

Isto muda a concepção errônea que às vezes temos de karma yoga, como sendo ação desinteressada, sem expectativas. Neste caso, existe a expectativa porque quando ajo, espero os frutos da ação, mas os entrego. Nada fica!

O ato de comer passa a ser sagrado. Não vemos o alimento apenas como o objeto de satisfação de nossa fome e sim, como uma prasada, uma oferenda divina, que merece ser degustada com atenção.

Nosso banho deixa de ser algo automático e passa a ser como banhar-se nas águas dos rios sagrados. E assim, todos os nossos dias podem se transformar em pujas. É só manter a conexão. É só não cortar o cordão...


Namaste!

Tereza Freire- 13/set/08

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